«Missão Groove» e «3º Capítulo» (álbuns dos Cool Hipnoise e dos Da Weasel, respectivamente) foram o pretexto para a entrevista conjunta. Francisco Rebelo, João Gomes, Tiago Santos e Melo D (dos Cool Hipnoise) e Armando Teixeira, Pacman e Quaresma (dos Da Weasel) foram os protagonistas de uma conversa que serviu, se não para mais, pelo menos para demonstrar que ambos os grupos estão, actualmente, a atravessar uma fase plena de auto-confiança e que, possivelmente, poderá funcionar como a véspera da projecção desejada. Talvez o estrangeiro possa ser uma saída desta vez. Se alguém se lembrar disso num dia de inspiração suprema.
Queria saber se, na óptica dos autores, houve uma intenção deliberada em fazer discos total-mente diferentes dos anteriores. Isto porque me parece estarem, em ambos os casos, muito evidentes as marcas desse corte com o passado —no caso dos Cool Hipnoise, parecem ter enveredado por um estilo, de facto, mais cool e menos preocupado com as canções e, no caso dos Da Weasel, uma tendência «menos comercial» e mais pesada.
João Gomes (Cool Hipnoise) — Mais cool? O nosso disco é diferente porque tudo se passou de forma diferente do que no outro. Desde a preparação do disco, à maneira como foi grava-do, às condições… Quando gravámos o primeiro disco tínhamos dado um concerto na nossa vida; quando gravámos o segundo tínhamos cerca de cinquenta, foi um contexto completamente diferente. Até a música que ouvimos e o próprio mundo da música estão diferentes. Isso reflecte-se tudo no disco, mas não houve nenhuma tomada de posição no sentido de fazermos um disco completamente diferente do anterior.
Mas enquanto resultado final têm a noção de que é um disco mais trabalhado e, por ventura, menos imediatista?
Tiago Santos (CH) — Aí tenho algumas dúvidas e algumas reservas… Não procurámos fazer um disco imediatista, isso é um ponto assente. E em relação ao outro também não.
Mas falo do resultado final.
Melo D (CH) — Nós não planeamos nada. Os Cool Hipnoise apenas fazem as coisas… Não sabemos como vai ser o próximo disco. De acordo com as influencias de cada um, o conjunto dessa treta toda… isso é Cool Hipnoise. Será sempre cool e isso é o que basta, o resto não nos interessa. Fazemos música de que gostamos, não tentamos agradar à editora (risos)… Temos liberdade e gravamos aquilo que queremos.
Armando Teixeira (Da Weasel) — Falaste do de fazer o disco… O processo foi semelhante ao do disco anterior, nós é que evoluímos. As letras do Carlão (N.R.: Pacman) evoluíram bastante e acho que é aí que se nota evolução maior. A diferença para o disco anterior é pela evolução, não pelo método de trabalho ou por circunstâncias externas.
Pacman (DW) — Não houve intenção de mudar, aquilo que fizemos foi tentar perceber aquilo que falhou no disco anterior.
AT (DW) — Acho que, neste disco, cada músico teve mais liberdade para trazer para a música dos Da Weasel aquilo que queria exprimir. O mais im-portante, e volto a frisar, é a evolução das letras do Carlão, que cresceu muito como letrista. Isso é demasiado evidente… Enquanto que no primeiro disco havia uma preocupação quase pedagógica, que às vezes até pode soar a falso, este disco é muito mais interior…
P (DW) — Este disco não tem, como no outro, um tom idealista. Não há uma declaração de ideais neste álbum, mas não acho que o álbum anterior deixe de ser válido no contexto em que foi feito. Não acho que soe falso a ninguém. Acho que uma das coisas que funcionou no primeiro disco foi precisamente esse factor, foi isso que serviu para que muitas pessoas se aproximassem dos Da Weasel. Aquele discurso deixou de fazer sentido para os Da Weasel, mas não acho que tenha soado a falso. Não é à toa que o «Educação (É liberdade)» foi utilizado por alguns professores de português nas aulas. A questão é que não quero só andar armado em Jesus Cristo a dizer às pessoas o que devem e não devem fazer.
Pensas manter essa atitude, falar de ti e menos faiar para os outros?
P (DW) — Na altura, não pensava no que ia fazer agora… Não tinha grandes planos. Portanto, não sei o que vem mais para a frente.
Estás a pedir a palavra, Francisco?
Francisco Rebelo (CH) — Sim. Dizias há pouco que o outro disco dos Cool Hipnoise era mais um disco de canções e que este, se calhar, não é. Não concordo com isso. Acho que este é um disco de canções, só que elas têm uma outra forma. Se no primeiro disco as coisas tinham um impacto mais directo, inclusivamente as letras, neste não têm. As pessoas é que vão ter que pensar mais um bocado e não esperar que a papa apareça feita.
JG (CH) — Também as nossas letras mudaram muito, embora por circunstâncias diferentes das dos Da Weasel. A nossa maneira de escrever também mudou um bocado, uma vez que as letras são feitas num sentido diferente do rap, são mais cantadas, provavelmente mais abstractas, mais musicais.
AT (DW) — Aquilo que está a acontecer é que dou por mim a ouvir o disco e a pensar: «caraças!, estamos a fazer música para as letras daquele gajo».
Isso é bom?
AT (DW) — É muito bom. Em relação à música, temos muito controlo sobre aquilo que fazemos. Quanto à letra, sabes que é muito difícil encontrar alguém a escrever realmente bem para música em Portugal.
Isso quer dizer que os Da Weasel andam a reboque do Pacman?
AT (DW) – Pode parecer, mas não é isso que acontece. O que nos vai acontecer a nós, consumidores, é que vamos ficar extremamente contentes com aquilo que ouvimos nas letras, coisa que nem sempre acontece em Portugal. Ficamos ali uma segurança grande para a música que fazemos.
Existe uma sobreposição da letra face à música?
AT (DW) — Não existe uma sobreposição… Eu fiz algumas músicas para este disco, o Nobre também fez… o que acontece é que ficamos realmente satisfeitos com o acrescento, com a mais-valia que as letra trouxeram, que é realmente surpreendente. Mas os Da Weasel são uma banda que funciona pêlo conjunto. Embora as ideias iniciais sejam as de um de nós, o que cada um traz é muito bom. -Trabalhar com os Da Weasel é uma surpresa. Não temos o hábito de ensaiar e cada vez que fazemos um disco é quase como começar de novo.
Queres falar das letras deste disco e a importância delas no álbum dos Da Weasel?
P (DW) — O outro disco era muito idealista, muito panfletário. Este disco já não é tanto… se calhar tive desilusões em relação a muitas coisas… se calhar não me interessa assumir o papel que assumi no outro disco, não estou para isso. As coisas são faladas, neste disco, de uma forma mais subtil. O papel anterior acaba por não ser tão gratificante como possa parecer. Mas neste disco há, realmente, uma grande química entre a música e as letras, uma coerência muito grande.
JG (CH) — Se calhar, no resultado final de cada um dos discos nota-se que a forma de trabalhar foi diferente. Enquanto que nós, normalmente, partimos da música e depois vamos para a letra…
AT (DW) — Com os Da Weasel também foi assim que aconteceu, as músicas surgiram muito antes das letras.
P (DW) — Houve letras que sofreram pressão da parte do Armando, do meu irmão e do resto da banda no sentido de cortar com o tipo de referências na onda do «Dou-lhe Com A Alma».
Quaresma (DW) — Isso aconteceu também com a música, também deixámos de parte algumas ideias.
JG (CH) — Nos Cool Hipnoise as letras mudaram um bocado porque mudou também o ambiente instrumental… Achámos que a voz, ao passar a cantar e não apenas a rappar, devia ter outra maneira de dizer as coisas.
Mas não é verdade que, não obstante o facto de a voz do Melo ser mais importante e trabalhada neste disco, as letras perderam importância?
TS (CH) — Não, nada disso. Eu acabei por ser o principal escritor das letras… O que aconteceu é que, como a música, as letras ganharam importância. O tempo passou, chegámos em conjunto à conclusão de que queríamos fazer um trabalho melhor do que o anterior e sentimos necessidade de evoluir no campo das letras, tal como nos sentimos evoluir na música. O que aconteceu foi que, a determinada altura, não estávamos a conseguir chegar ao ponto que queríamos em termos de letras. Aí é que achámos que devíamos mudar. Usámos fórmulas novas… Em termos da mecânica do trabalho, as letras sempre tiveram tanta importância como a música.
JG (CH) — As ideias são tão fortes como o primeiro disco, só que talvez sejam mais filosóficas, menos concretas, menos directas do que no primeiro disco. Não há um tema sobre o gueto, sobre a droga, sobre o racismo… fala-se mais de maneiras de estar, de atitudes…
MD (CH) — Uma das grandes diferenças deste segundo disco está nas letras. O meu discurso é um discurso directo e no outro disco saiu aquilo que eu tinha escrito até à altura, há lá letras com cinco e seis anos. O outro tem letras de rap, este disco é diferente, os próprios objectivos eram diferentes.
JG (CH) — Se calhar, o tipo de letras que- o Melo estava habituado a escrever não se encaixam bem no tipo de frases que nós queríamos: frases longas, com pausas, melodias… Queríamos canções mais soul, como o «Ponto Sem Retomo» ou «O Dia Em Que Eu Não Te Encontrar».
TS (CH) — Eu acho que conseguimos fazer letras com conteúdo mudando a forma. Pode ser que isso implique que as letras não sejam tão directas e impactantes como no outro disco… mas hoje em dia a realidade também não é a mesma que era em 95.
AT (DW) — O processo de criação das duas bandas são totalmente diferentes, não se podem comparar. Não há um processo certo e um processo errado. São ambos processos válidos. Eles ensaiam e trabalham assim, nós vamos para o estúdio com as ideias de cada um e fazemos as coisas nessa altura.
TS (CH) — Pois, trabalhamos nos ensaios com as ideias de cada um.
AT (DW) — Embora vocês sejam uma banda influenciada pelo jazz e, por isso, muito baseada no improviso, nós somos, se calhar, uma banda mais directa, no sentido em que trabalhamos naquelas alturas em estúdio, sem grande tempo para pensar em mudanças. Nós privilegiamos a primeira reacção às músicas, não nos damos hipótese de mudar muito as coisas.
Conhecem o respectivo disco uns dos outros?
TS (CH) — Deles conheço apenas o single.
FR (CH) — Eu ouvi três ou quatro temas na fase de pré-mistura. Não me lembro bem, mas acho que estava porreiro, com bom som… Mas é difícil de dizer que está melhor ou pior do que o primeiro, não tenho essa noção.
TS (CH) — É incrível como, nesta altura, duas bandas de Lisboa não conhecem o seu trabalho. É sintomático da rivalidade que se vive, é dramático…
P (DW) — Deles ouvi também o single e outra música e acho que a diferença em relação ao disco anterior é muito grande. O mesmo se passa com o que ouvi dos Black Company e dos Mind Da Gap, em que já se nota um salto muito grande em relação aos primeiros álbuns de cada um dos grupos.
JG (CH) — As pessoas aprenderam com os primeiros álbuns, estão a tentar não cair nos mesmos erros.
AT (DW) — Termos como bitola aquilo que se faz em Portugal é muito pouco. Ser bom em Portugal, desculpem lá, é relativamente simples. Com alguns anos, algum amor e muito trabalho esse objectivo alcança-se facilmente. Temos que ter como bitola aquilo que vem do estrangeiro. Em relação aos Da Weasel sempre disse: não temos desculpa para não ter o mesmo som que as bandas estrangeiras têm.
Se a bitola é essa porque é que o mercado das bandas portuguesas desta área não há-de ser o estrangeiro?
AT (DW) — Essa é uma questão que nos ultrapassa. E não exercem pressão? São expectadores passivos da imobilidade das empresas?
FR (CH) — A pressão existe sempre. Quando saiu o nosso primeiro disco, lembro-me de termos logo dito à editora: comprem imprensa estrangeira, vejam quem são as pessoas que falam sobre estas coisas, mandem discos lá para fora e tentem os canais internacionais. Só que é muito complicado, há muitos jogos de interesses.
TS (CH) — Aquilo que o Armando dizia em relação aos Da Weasel aplica-se também aos Cool Hipnoise. Sentimos que temos muito pouco a ver com aquilo que se está a passar cá. Prestamos atenção, gostamos de saber o que acontece, de ver concertos, de aplaudir, mas…
AT (DW) — Ficamos sempre desiludidos com o que vimos, não é?
TS (CH) — (Risos) Não queria ser tão grave…
O próprio mercado consumidor de discos acaba, portanto, por ser uma desilusão também para grupos como os Da Weasel e os Cool Hipnoise.
JG (CH) — O mercado não, a sociedade portuguesa.
E qual é a solução para uma coisa dessas?
P (DW) — A solução é emigrar.
AT (DW) — Nós não queremos encontrar soluções, só queremos estar bem connosco. Só queremos continuar a fazer isso, os outros problemas não são nossos.
Ou seja, grupos como os Da Weasel e os Cool Hipnoise hão-de ter, eternamente, músicos frustrados com os resultados comerciais dos seus discos.
AT (DW) — Não é frustrados. Se quiséssemos chegar a todas as pessoas, tanto nós como eles saberíamos exactamente o que fazer. Até podíamos fazer concessões e uma data de merdas dessas… O jungle está a bater e há não sei quantos clichés de jungle que podiam servir para fazer-mos um máxi de jungle. Ouves uma batida, é igual às outras, é jungle… e de repente eras o rei do jungle em Portugal. Mesmo que não vendesses eras o rei. A nós não nos interessa isso.
TS (CH) — Em Portugal, para viveres da música no regime habitual, que seja vender discos e fazer concertos, tens que ceder. Tens que fazer uma série de concessões… Já não estou a falar em ir ao «Big Show Sic» e coisas do género, estou a falar em ter-mos musicais. E uma questão de construção e atitude. Não podes ter uma atitude semelhante às das bandas que estão aqui, de fazer a música pela música.
FR (CH) — Aquilo que falavas em relação ao mercado tem a ver com muitas outras coisas que se passam neste país. Tem a ver com, por exemplo, as pessoas não terem hábitos de leitura, com o facto de a educação ser uma merda… Tudo isto se conjuga e as pessoas não têm muito interesse em descobrir. Querem que tudo lhes seja servido de bandeja na televisão ou coisa parecida. Não há o interesse de ouvir um álbum, depois querer ouvir os anteriores, depois querer ouvir os futuros… ou apanhar uma banda a meio e querer perceber de onde vieram. As pessoas estão-se cagando para isso, querem é hits, querem é abanar o capacete. Isso tem a ver com educação, com cultura e com a vontade de descobrir coisas.
AT (DW) — A nossa música não é elitista, mas é feita para pessoas que nos compreendem minimamente. Não podemos pretender fazer música para as pessoas que consomem os Delfins. Isso é natural. Arriscamo-nos a ter meia-dúzia de pessoas nos concertos mas estamos bem com a nossa consciência. Por enquanto, como somos novos, a nossa consciência ainda é importante. Se calhar há-de chegar o dia em que deixa de ser.
Existe, em qualquer uma das bandas, um elemento compositor mais preponderante do que os outros?
JG (CH) — Nos Cool Hipnoise há, se calhar, um elemento que compõe mais do que os outros, mas não define mais do que os outros como é que sai o resultado final. Os créditos vão para quem traz a ideia, mas o método de composição é partilhado por todos.
FR (CH) — Não há um elemento que chega com uma partitura, com um arranjo escrito, que os outros músicos executam prontamente. As vezes chega uma linha de baixo ou uma ideia melódica e isso é suficiente para que toda a banda se debruce sobre o assunto.
JG (CH) — Dou-te um exemplo: o «Groove Junkie» começou com uma linha melódica no Fender Rhodes e é por isso que os créditos aparecem em meu nome.
AT (DW) — No caso dos Da Weasel, os créditos são específicos nesse aspecto. Neste disco há mais músicas do Nobre, umas músicas minhas, uma música do Carlão, uma música do Quaresma, uma música do Virgul… Até temos dificuldade em saber em que nome está creditado uma música, de tal maneira as ideias se confundem… Acaba por ser tão ou mais importante aquilo que é trazido para uma determinada música do que, propriamente, o facto de se ter uma ideia inicial. Nos Da Weasel há sempre uma guerra sobre quem traz mais ambientes para a música, e é isso que faz uma banda.
FR (CH) — É uma luta pacífica mas é isso que dá a dinâmica à banda.
P (DW) — Eu não sinto essa luta, sinto mais uma colaboração. O que é muito louco na «doninha» é que há uma batida, por exemplo, de hip-hop puro, como é o caso de «Todagente». Nunca pensei que o meu irmão iria lembrar-se de meter ali uma malha quase bossa-nova. Quando crias essa primeira malha que leva a música num determinado sentido, nem sempre esperas que os outros contribuam com elementos completamente diferentes e isso é que é muito bom nos Da Weasel.
FR (CH) — A ideia de uma banda tem que ver com isso, se não era um projecto a solo com uma série de gajos a agarrar aquilo por trás. A questão é que a SPA não aceita temas em nome de bandas, só em nomes de indivíduos.
Qual é a importância do factor «ao vivo» na carreira dos dois grupos?
FR (CH) – A principal razão de ser dos Cool Hipnoise é o tocar ao vivo.
TS (CH) — Eu não concordo.
FR (CH) — Mas concordo eu (risos). E felicito-me por isso. O disco é um mero suporte para que as pessoas conheçam o trabalho de uma banda.
P (DW) — Ao vivo há o prazer de experimentar a música junto das pessoas. Essa é uma das coisas mais gratificantes. E é sempre um acto de criação.
AT (DW) – De recriação.
TS (CH) – Pessoalmente, acho que é cada vez mais importante o disco, o trabalho de estúdio.
AT (DW) — Para mim, o mais importante é o trabalho de estúdio. O «ao vivo» é uma reacção óbvia a isso, ao acto de criação, ao trabalho que desenvolvo em casa.
In Blitz Pedro Gonçalves